Triste notícia | José Mojica Marins falece aos 83 anos

EstranhoCine - Filmes de Terror
6 min readFeb 20, 2020

Morreu nesta quarta-feira (19), em São Paulo, o cineasta José Mojica Marins, aos 83 anos de idade. Conhecido mundialmente como Zé do Caixão, ele estava internado no hospital Sancta Maggiore devido a uma broncopneumonia — uma doença do pulmão.

A morte foi confirmada hoje pela sua filha, Liz Marins, à Folha de São Paulo.

Há algum tempo Mojica já vinha com a saúde nitidamente debilitada e frágil, sendo que nos últimos anos, raramente aparecia em convenções ou em público, mantendo mais contato pelas redes sociais, e fazendo da sua aparição, um evento mais que especial. Ele já havia sido hospitalizado três vezes antes, após inserir um cateter em 2014, aos 81 anos, tendo ficado 17 dias internado por uma doença bacteriana.

Mojica fumou por vários anos de sua vida, e em 2017 decidiu abandonar, infelizmente, já tardiamente, mas escreveu em seu Facebook: “Vivi excessos e prazeres. Nunca me poupei de nada, nunca usei drogas, mas o meu melhor amigo, o cigarro, tive que abandonar, pois descobri que era realmente um falso amigo! No meu caso, a pior droga! Só queria me dominar e, praticamente, nada me domina!”.

Mojica é considerado um dos mestres do terror em todo o mundo, e um dos maiores (senão o maior) nome no Brasil. Originalmente sua obra foi desprezada pela crítica brasileira e mal aceita.

José Mojica possui mais de 60 títulos e créditos em sua extensa carreira desde o seu primeiro curta de 9 minutos, ‘Reino Sangrento’, feito em 1950, e patinaria em gêneros diversos sem sorte, do faroeste à aventura, com mais 3 filmes de sucesso ínfimo até seu maior sucesso e propulsor de sua carreira, 14 anos depois, um filme sinistro de estética de terror clássico e de um personagem de caráter subversivo, controverso e de alma impiedosa e perversa: Zé do Caixão.

O apelido Zé do Caixão se deve ao seu personagem de maior sucesso no cinema, apresentado pela primeira vez num monólogo do filme “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, de 1964, numa fala de 35 segundos.

O filme, considerado o mais importante da carreira de Mojica, e que transpôs todas as barreiras de um cinema independente no Brasil, foi impactante pra época, e absurdo. Usou de toda a superstição de uma época e deu o tom caricato de um país em sua crítica maior; e nos filmes seguintes como “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver”, feito e lançado 3 anos depois, em 1967 e já em 2008 (aos 72 anos) com “Encarnação do Demônio”, tendo assim feito uma trilogia do Zé do Caixão, ou menos popularmente Josefel Zanatas.

*Embora tenha feito outros filmes com o personagem numa conotação mais de misticismos e tergiversando para algo diferente do que era antes.

No começo, para além das críticas desconstrutivas e um inferno de desafios técnicos que o cercava, como no filme “À Meia-Noite” onde Mojica fora motivo de chacota de supostos cineastas sérios por sua maneira improvisada de fazer cinema.

Com montagens à partir de objetos reais, árvores, mesas e outros artefatos para criação de cenários internos como que em sets de teatro à sua maneira, e com o auxílio pesado e a magia da edição, ele foi além e pôs-se à frente das câmeras, como ator protagonista de sua própria obra, e como diretor — fora a parte técnica de dublagem após, e toda a concepção principal do roteiro. Uma perspicácia pouco comum, e que deu certo.

Segundo disse o próprio Mojica, certa vez, na reta final das filmagens, chegou a ter de obrigar os atores contratados a terminarem uma última tomada com o incentivo de um revólver empunhado. Era isso, ou o filme estaria incompleto, felizmente todos aceitaram…

Por anos a fio, manteve-se fiel ao espírito do gênero terror, provando-se, tendo sempre feito algo para publicar seu personagem — este uma espécie de alter ego e inspirado por um sonho macabro do próprio Marins, tendo sido visto quase que sempre como um produto… e todo produto tem que vender, e parte do sucesso de seu personagem deve-se a sua insistência nesse aspecto.

Zé do Caixão já foi: marca de cachaça (no passado e atualmente), ícone de crônicas, hit de marchinhas de carnaval, apresentador de show e de programa de TV — no saudoso Cine Trash da Band (abraçando de vez ao termo de cinema Trash), alegoria e tema de escola de samba, objeto de livro biográfico e representação televisiva, e muito mais.

O seu personagem ganhou enorme notoriedade, repercussão e aceitação popular, mas nem sempre foi assim, e a trajetória foi incessante até tal ponto.

A forma com a qual o Zé do Caixão trouxe uma representação completamente brasileira de um icônico símbolo sul americano do terror, com suas simplicidades, tradições, e até como uma crítica social, foram imprescindíveis para a cultura como um todo.

Tal qual Mazzaropi, é 100% Brasil. E a forma como lidou satiricamente com superstições bobas dos séculos passados que beiravam o ridículo como ‘dia dos mortos’, ‘sexta-feira santa’, ou sobre gatos pretos serem prenúncio de morte, entre outros, pode-se dizer que era um homem à frente do seu tempo — hoje vemos com tranquilidade essas besteiras (ou pelo menos a maioria de nós).

Sempre que quisermos mostrar um cartão de visita do que é — e o que fora o Brasil, um sinônimo de algo rudimentar no gênero mas típico nosso, pensaremos sempre em um nome: Zé do Caixão.

Mas fato é que o Brasil deve muito a Mojica. Por vezes, foi mal aceito, embora já tenha recebido prêmios legais lá fora e relançamentos internacionais em seu reconhecimento (visse imagem acima), tendo menções e consideração, por aqui, em sua própria terra, outrora, Mojica via-se por anos perseguido, obrigado a abandonar o gênero por estar atormentado e acossado no auge da ditadura militar, ditadura esta que apreendera suas películas e ameaçara destruí-las caso ele insistisse em recuperá-las.

Uma época tenebrosa na realidade, e indigna de grandes mestres inventivos e suas liberdades artísticas, que tiveram toda sua genialidade jogada na lata do lixo pela obrigação de seguirem o protocolo do bom-mocismo cultural, e engessando todas as suas capacidades criativas das maiores mentes das décadas, incluindo é claro, Mojica, mas muitos outros. E aqui, especificamente, não restando alternativas senão partir para um circuito mais fechado e canalizado, o universo intrínseco da não-seriedade com contexto mais como pornochanchada.

Já lá fora, no início dos anos 90, os filmes de Zé do Caixão foram levados para os Estados Unidos pela famosa distribuidora Something Weird. Mojica visitou os EUA em outubro de 1994, para ir a convenção Chiller Theatre, mas antes deu uma entrevista muito maneira no programa Jon Stewart Show (confira).

Em solo americano, as produções foram elogiadas pela crítica especializada e Coffin Joe (nome do personagem por lá) se tornou um ídolo cult. Em 2001, no Festival Sundance em Utah, foi homenageado e consagrado, subindo ao palco sob aplausos, e várias coisas mais.

Para mim, Mojica sempre foi alguém que — além de ousado, sabia como instigar por força o público, a ser notado e a ser levado em consideração, custando o que custasse.

E ele conseguiu isso, uma proeza. E ainda mais no Brasil, um país ancestralmente muito religioso e cristão, e assim ele sucedeu, mesmo que por interesse financeiro primeiramente, já havia feito filmes de outro tipo, sem sucesso, partiu então pro terror, e conseguiu sua brecha ideal com algo que poucos conseguiram: o independente conciliado ao diferente, o macabro, autêntico e tudo isso com limitações mil.

O mundo perde um ícone, e uma das lendas vivas remanescentes. E um dos maiores nomes no cinema do gênero terror no Brasil.

Será sempre lembrado, admirado, respeitado, e amado — especialmente, por nós, fãs de terror de todo o mundo e do Brasil.

Fonte: Folha de SP / Publicação original: Blogue Weirdcine (19/02/2020)

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