Crítica: Deranged — Confissões de um Necrófilo (1974)

EstranhoCine - Filmes de Terror
10 min readNov 15, 2019

Título Original: Deranged | Direção: Jeff Gillen, Alan Ormsby | Roteiro: Alan Ormsby | Estrelando: Roberts Blossom | Lançamento: Fevereiro de 1974 | Duração: 1h, 22 min. | Orçamento: 200 mill(estimado) | Local de Filmagem: Enniskillen, Ontario, Canadá | Linguagem: Inglês americano

N o filme de hoje, um sujeitão muito do esquisito (para se dizer o mínimo) protagoniza um dos filmes mais curiosos com temática de necrofilia e necromania dos anos 70. Confissões de um Necrófilo, co-dirigido por Jeff Gillen e Alan Ormsby. Uma adaptação bem original (e não tão biográfica) do Ed Gein, transladado em um nome diferente para si e suas vítimas, segundo o próprio narrador: Para “proteger” a identidade e família das vítimas. É algo mais ou menos igual ao que foi feito em The Deliberate Stranger (1986), sobre Ted Bundy onde mudam-se os nomes.

“Essa é a história de Ezra Cobb: Assassino, violador de corpos e certamente necrófilo… O açougueiro de Woodside”.

Grande parte desse filme pode ser resumido pelas cenas iniciais e numa leve descrição do que se sucede, em sua premissa é talvez um dos filmes mais simples do gênero de Terror da primeira parte dos anos 70.

Aos 10 anos, o pai de Erza faleceu, só moravam ele e sua mãe numa casa, Amanda Cobb. Extremamente dependentes um do outro, após ela sofrer de um derrame cerebral, a mãe de ‘Ez’ acabou com paralisia nas suas pernas. Por 12 anos, ‘Ez’ cuidou dela. Tido pela pacata cidade como um filho devoto, mas conforme o filme descreve: “Essa devoção mascarava uma crescente psicose que veio à tona quando sua mãe faleceu”.

Sua mãe, super-protetora, criou uma dependência e apego emocional sem precedentes, na vida de Ezra. Como um passarinho muito bem adestrado ao seu cubículo de gaiola, que acredita que voar é um pecado, Ezra seguia os conselhos de sua mãe à risca até o último instante de vida, e principalmente depois dele.

E assim se sucede, após repetidos anúncios desacreditados por Ezra, de que sua mãe iria mesmo morrer, e eis que a hora chega, ela morre. E então o vínculo super-afetivo entre ambos, último pilar da sanidade de Ezra se parte ao meio, dando margens reais para um psicopata nascente que de tão ingênuo, infantil e subestimável, não levaria a menor suspeita do maior desconfiador.

Numa cena inicial que explica bem a relação mãe-filho desse filme, onde não há aceitação alguma sobre a ideia da morte (e muitas famílias sofrem com isso na vida real, acreditem), já não há mais somente uma dependência emocional forte, mas da presença física, de tê-la por perto, seja como for. Com esse drama familiar e suas absolutas esquisitices, podemos nos conectar à este filme sobre um personagem transtornado.

“O preço do pecado é a gonorreia, sífilis e a morte”. O que diabos isso tem a ver com qualquer coisa?!

Eu acho bacana essa representação irônica que o filme enfatiza tanto do que é uma relação nada saudável familiar baseada em superproteção, e a não-aceitação da morte, duas coisas que são mais sérias e intensas do que parecem… E reais, absolutamente reais.

Ezra é excêntrico desde sempre, um sujeito de natureza intrépida por mais que sorrateiramente tímida e solitária, ele possui um comportamento social mais do que normal aos olhos da pacata cidade, e até que ele é simpático, mas na sua mente distorcida a sociopatia toma forma a cada nova ida ao túmulo de sua mãe.

“Um mês passou. Seis meses. Um ano, Ainda assim, Ezra se recusava a aceitar a morte de sua mãe. Ele visitava a sua sepultura quatro ou cinco vezes por semana. Em casa, ele continuava somente a imaginar que ela estava apenas viajando. Ele mantinha seu quatro limpo, brilhando e quentinho, pois tinha certeza que ela voltaria para ele. Ele sonhava com ela, em desespero, até escrevia cartas para ela”.

Uma das belezas do filme é sua narração, com uma introdução que ajuda a entendermos melhor o filme, sem a necessidade de criar novos meios. Infelizmente, a narração só tem começo e meio, não há uma despedida apropriada (e na minha opinião, é um final desagradável), quando só vemos em texto e ouvimos após algumas cenas de slow motion. O narrador sumiu de cena, deu o oizinho, tchauzinho não. Um tanto quanto grosseiro, e soou abrupto, mas ok.

Como o primeiro filme lançado a se basear de alguma forma em fatos do serial killer Ed Gein, um dos mais famosos psicopatas de Wisconsin. O filme foi sucedido logo após pelo clássico Massacre da Serra Elétrica, ambos bem parcialmente influenciados pelo caso real e alavancados pela influência do merchandising de Gein. No caso de Deranged até com cenas vistas em fotos da perícia no caso de Gein, como quando pendurava elas de ponta-cabeça e cortar suas entranhas, há semelhança também pelos cenários gélidos.

Ao contrário do que pode parecer, esse filme não serve que em quase nada como uma biografia propriamente da história do Ed Gein. Quase nada mesmo, há muito sensacionalismo em suas impressões… Mas não deixo de achá-lo subestimado e com pouco reconhecimento.

Texas Chainsaw foi lançado alguns meses depois, com orçamento ainda menor, mas a produção de ambos os filmes aconteceu quase que no mesmo período, no ano de 1974, então era o mesmo cenário, e embora tenham similaridades incríveis, são dissonâncias de cenografia extremamente diferentes: Um é no gelo congelante da fictícia Woodside (referente a Gein, claro), e outro no calor árido e torturador.

Esse é um filme de ironias, satiriza diversas características da família tradicional, conservadora e super protetora, da hipocrisia viciosa da vida sobre a morte, e até o funeral, de alguém que quem vai e não se importa muito com a cerimônia.

Eu me espantei com diversas semelhanças entre esse filme e o Massacre, como, no maior exemplo: A agoniante cena do jantar. Sim, tivemos duas cenas rigorosamente semelhantes, na ideia, e filmadas praticamente na mesma época. Isso é raríssimo no cinema, quando não há plágio. Em descrição: Uma vítima qualquer (feminina) é levada para um especial jantar, raptada por algum lunático. Os convidados? Corpos pútridos sentados à mesa. Amarrada, a vítima é torturada com aquele terror psicológico (embora nesse filme não haja tanta ênfase ao Terror em si). E o insano anfitrião da festa ainda segura um porrete, neste caso um osso humano, no outro um pedaço de madeira.

Detalhe: Após a vítima tentar fugir, o psicopata veste uma de suas “máscaras” e sai em disparada atrás dela, casa à fora. Em outra cena, Ezra pega sua picape (lembra à do Massacre por sinal) e coloca a vítima envolta num saco de pano (saco até semelhante). Por essas e outras, é muita coincidência para pouco filme.

Sei lá, no caso de Deranged, o “vilão” não é tão mal assim, ele só é um oportunista de sorte, age na brecha da plena confiança dos seus conhecidos, na vã convicção dos outros de que ele seria incapaz de machucar uma mosca. Apesar de tudo, as coincidências com o Massacre param por ai. Este filme tem outro enfoque, o âmago é Ezra, e toda sua psicopatia, insanidade. Como poucos filmes fazem, é o universo e perspectiva do caçador e não da pressa. Perde um pouco da capacidade de criar um suspense mais empolgante e envolvente, mas é autêntico e tem um propósito claro, diferenciado do padrão desde a premissa. Às vezes até previsível, mas sem perder o encanto. Pelo menos comigo, o filme passou num piscar de olhos.

Esse filme, sem dúvidas, doentio. Mas vejo como uma peculiaridade boa no gênero, embora não explore o canibalismo de forma alguma, não seja tão chocante pela violência, é ainda assim, interessante e merece atenção de quem curte Terror antigo.

A atuação do já finado ator Roberts Blossom como lunático Ezra Cobb é excelente, e é o eixo central de tudo de positivo nesse filme, analisando pelo conjunto da obra. Simplesmente protagonizou quase que todo o filme sozinho sem perder a atenção, com suas feições muito francas e espontaneísmos profissionais de interpretação. Uma escolha justa para esse papel… E pensar que Harvey Keitel e Christopher Walken ainda foram escalados numa audição para o papel do filme (sim, é verdade). Definitivamente não dá nem para imaginar um filme com eles de ‘Ez’.

Eu não sei o que seria desse filme sem os olhares e caretas honestas de Roberts Blossom… Com certeza, não isso tudo.

Uma das maiores esquisitices desse filme é o tema de trilha sonora do ‘Ez’. Ficou doentio. Alguém decidiu genialmente que uma versão mórbida de órgão instrumental da “Rude Cruz” (Old Rugged Cross — um conhecido hino da harpa cristã antiga), ficaria legal nas cenas em que ele perde (ou está para perder) sua sanidade ou uma vítima. Ficou bizarro… Mas no bom sentido.

Se o Massacre tem o ranger de ganchos psicóticos, esse tem a porra do hino, e provavelmente, agora, toda vez que eu ouvir essa musiquinha vou me lembrar do filme e do ‘Ez’.

Uma outra referência de filme que não pudi deixar de associar com Confissões de um Necrófilo é o Maniaco (1980), acredito que houvera enorme influência desse filme, com seu personagem centrado, emocionalmente desequilibrado e sua mãe torturadora vinda da cova.

Uma cena nesse filme é bem engraçada, Ezra janta com seu vizinho enquanto ele lê o obituário, em sua sã ingenuidade, trama um plano de retirar um corpo do cemitério. Uma insanidade que em sua mais pura franqueza soa como piada instantânea, o extremo de subestimação de um aparente bom mocinho, digno do caso mais extremo da simpatia de Ted Bundy.

O legal do Deranged é que, como falei, não tem grande enfoque nas vítimas do Ez, e sim, no próprio vilão, suas preocupações, sua demência na mórbida mente de colecionar cadáveres, sempre estranha e de relação perturbada, unilateral. Mas morra quem morrer, sem pudor algum, o filme ainda é corajoso de mostrar isso, até nisso o Maniac se espelhou, no caso, simplesmente trocando corpos por manequins, e os cenários do cemitério, lembram rigorosamente.

Algo que eu não curti muito nesse filme é justamente como as vítimas de Ez se criam, ele é todo o oposto de caras como Leatherface (por mais que também tenha uma mente de criança) e Frank Zito. Ele só é alto, mas não parece ser forte, não parece que teria a paciência física necessária para percorrer a todo o vapor, vários hectares, suas pressas atordoadas com motosserra nas mãos, muito pelo contrário. A conveniência chata é Ez agindo em vítimas mais estúpidas ainda que o convencional, mais ou menos igual ao que vimos em Noite dos Mortos-Vivos, Bárbaba sempre atônita, sem reações, de forma surreal demais para alguém que se importa mais em sobreviver do que se escandalizar. Um clichê do Terror muito incômodo, no meu ponto de vista.

Claro, há de se reconhecer, esse filme não é nenhuma obra-prima absoluta e suprema do gênero de Terror, e nem um dos mais reconhecidos de sua década, e aliás, diversas coisas nem sequer fazem sentido… Mas é um filme que ninguém lembra na hora de comparar com Texas Chainsaw, por exemplo.

E conforme passamos a ver um Ez mais escroto a cada cena, o filme nunca deixa de dar ênfase aos seus conflitos existenciais e familiares. Como filme de baixo orçamento que é (maior em vezes, a verba, do que a do Massacre), até que não é má produção.

As atuações são razoavelmente boas, a cinematografia é um puro ar de anos 70 (e quem gosta tem que conhecer), a história é original, os personagensintromissivos” ao espectador.

Para mim só não se consolidou como clássico do gênero por ser ameno demais na linguagem, não apela (quase nunca) para a extrema violência, e é mais permeante de um olhar da doença mental de Ezra e não a maldade dele em si. Também acho que faltou um desfecho mais impressionante, do início ao meio cria-se uma expectativa até que muito boa, mas não correspondida.

E nota: Poderiam tê-la correspondido, já que digrede bastante de “Filme baseado em fatos reais” para “Filme influenciado por casos de Ed Gein”. Vou deixar o Trailer oficial a seguir.

AVISO: É cheio de cenas que dão spoiler do filme.

Publicado originalmente em 01/07/2016 em nosso blog.

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