‘Béla Lugosi: ator, líder sindical e anti-fascista’

Maior parte de matéria originalmente escritoa por Mike Kuhlenbeck (do site Workers.org), no dia 5 de março de 2019. Incrementei ao máximo, no entanto. Matéria que me deu ideia de fazer esse post.
Cedido gentilmente. Um compilado de matérias de outros sites, fotos e também de referências a livros com a ideia de enriquecer mais a informação que estava muito resumida. Espero que gostem.
1882–1914 — NASCIMENTO, TRAJETÓRIA, PRIMEIRA GUERRA
O ator húngaro Béla Lugosi foi coroado como “Príncipe das Trevas de Hollywood” por sua interpretação do vampiro Conde Drácula em vários filmes. Mas hoje poucas pessoas sabem que ele era um líder sindical e anti-fascista que lutou contra monstros da vida real.
Lugosi nasceu Béla Ferenc Dezső Blaskó em 20 de outubro de 1882, em Lugos, Reino da Hungria, Áustria-Hungria (atual Lugoj, na Romênia), a 50 milhas do castelo de Vlad III (Vlad Dracula).
O jovem Lugosi sempre foi atraído pelas artes. Ele expressou suas aspirações teatrais a seu pai, um banqueiro conservador, que rejeitou a escolha profissional de seu filho. Já um espírito rebelde, Lugosi fugiu de casa aos 12 anos para seguir os seus sonhos.
Depois de trabalhar em biscates, como mineiro e maquinista, Lugosi fez sua estréia nos palcos teatrais aos 20 anos, em 1902, já adotando o nome artístico Béla Lugosi no ano seguinte, em 1903.
Os críticos o chamavam de “Laurence Olivier da Hungria” (um famoso ator e diretor, dono de Globo, Oscar e 4 Emmys), então ele foi convidado a participar do Teatro Nacional de Budapeste, onde trabalhou por anos a fio, na capital da Hungria.

Em 1914, Lugosi já começava a propagar seu nome nos círculos artísticos. A súbita eclosão da Primeira Guerra Mundial naquele verão não pareceu mudar isso. Os atores foram dispensados do serviço militar e Lugosi não tinha antecedentes marciais.
Por razões nunca esclarecidas, Béla se ofereceu para o exército austro-húngaro quase que imediatamente. Talvez ele estivesse procurando aventura ou sentisse o impulso emocional de patriotismo que atingiu tantos outros homens naquela época.
Independentemente do motivo, ele foi designado para a 43ª Infantaria Real Húngara, primeiro servindo como tenente de infantaria. A sua unidade foi enviada para a Frente Oriental, onde eles lutaram na Galícia contra as forças russas.

O objetivo do exército austro-húngaro era lançar um ataque ofensivo contra a Polônia controlada pela Rússia, na Batalha de Galícia. Tal plano terminou em uma quantidade significativa de mortes entre o exército húngaro, com mais de 100.000 mortos. Após provar-se soldado competente, Lugosi partiu para entrar na patrulha de esqui.
Promovido, Lugosi foi então enviado para lutar na Guerra de Inverno dos Cárpatos.
1914–1916 — A LUTA DOS CÁRPATOS: OS HORRORES DA GUERRA

(Foto: Reprodução; Blog: Europe Between East and West)
A rota mais perigosa de Lugosi na guerra foi em Cárpatos. (Cárpatos é como se chama um conglomerado de ilhas montanhosas e de montes na Europa Central, uma das terríveis linhas de frente naquela balha da Guerra húngaro-romena)
As brutais campanhas dos Cárpatos eram ainda piores por causa do inverno, que começou a sério durante o final de janeiro de 1915.
Para dar apenas um exemplo do perigo e da morte que permeavam essas batalhas, os austro-húngaros perderam surpreendentes dois terços de um exército de 100.000 homens em menos de três semanas. Embora em grande parte esquecida, a luta que ocorreu no alto dos Cárpatos nevados é considerada por alguns historiadores a mais mortal de toda a guerra em qualquer frente. As baixas acima de 50% se tornaram a regra.
De certa forma, as bombas e balas dos russos eram a menor das preocupações de um soldado. Os elementos naturais eram, no mínimo, mais mortíferos. Duas empresas, incluindo funcionários e oficiais, congelaram até a morte depois que as temperaturas caíram para vinte abaixo de zero.
O papel de Lugosi na patrulha de esqui pode ter ajudado a salvar sua vida, já que ele pode ter sido melhor equipado com equipamento de inverno do que o soldado médios de infantaria.
Não há muita documentação sobre os sentimentos de Lugosi quanto aos fatos desta guerra de inverno, mas deixarei abaixo o que ele já disse publicamente a respeito, fora alguns raros extratos de um oficial romeno, o sr. Octavian C. Taslauuanu, que lutou nos Cárpatos naquela época.
Um pequeno resumo extraído de livros é instrutivo sobre as condições enfrentadas pelos soldados:
“A luta nos Cárpatos, devido às dificuldades do terreno e à severidade da estação, exigiu o maior esforço e sofrimento de que nosso exército era capaz. Aqueles que não tomaram parte nela não podem ter ideia do que um ser humano é capaz … Tudo estava envolto em um manto de neve, cuja brancura virginal nos acalmava e fazia nossos pensamentos se tornarem à morte, o que ansiamos como nunca antes.
Os homens cavavam trincheiras em formato de caixão, de modo que, quando, ao cair da noite, eu os inspecionava, ali deitados, naquelas valas cobertas de zimbro (uma espécie de arbusto típico da Europa), eles me olhavam como se tivessem sido enterrados vivos … Os homens, apesar do frio, não perdiam tempo para se despirem e trocarem as vestimentas. Via então corpos humanos acabados, como eram enormes feridas do pescoço à cintura. Eles estavam sendo absolutamente devorados por piolhos.”
Lugosi não escapou ileso da luta. Ele sofreu tanto mentalmente quanto fisicamente. Uma das poucas vezes que ele falou sobre a guerra ocorreu em uma entrevista anos depois, quando ele relembrou:
“Há um momento que eu nunca consegui esquecer. Nós estávamos protegendo uma floresta dos russos. Todos nós estávamos encolhidos sob enormes árvores, cada homem debaixo de uma árvore.
Um jovem oficial incauto, saiu um pouco da cobertura e uma bala atingiu seu peito. Eu esqueci que os russos estavam atirando de sua linha com metralhadoras. Não pudi abnegar… Corri para ele e dei-lhe os primeiros socorros. Voltei para a minha árvore e descobri que ela havia sido explodida em pesados pedaços gigantescos.
Eu fiquei histérico. Chorei no chão da floresta, como uma criança … não por medo, nem mesmo de alívio … mas como pela recompensa de deus, por ter um bom coração.”
1916–1918 — FERIDAS DE GUERRA — TEMPORÁRIAS E PERMANENTES
Lugosi foi ferido duas vezes, a primeira vez em luta perto Rohatin, na Galiza (Rohatyn, Ucrânia hoje), a segunda vez ocorreu nos Cárpatos. Essas feridas lhe trouxeram uma decoração por bravura, mas também o colocaram fora de serviço. Pouco depois de ser liberado do hospital no início de 1916, Lugosi recebeu alta após 18 meses de serviço.
Um biógrafo afirma que a despensa dele foi dada por “instabilidade mental” — uma ironia, se é que houve alguma. No entanto, quaisquer feridas que Lugosi tivesse sofrido não poderiam mantê-lo mais longe do teatro e das artes.
Em 10 de abril de 1916, menos de vinte meses após sua última apresentação em Budapeste, ele voltou ao palco no Teatro Nacional.
À medida que a guerra se arrastava nos dois anos e meio seguintes, Lugosi continuou a atuar em vários papéis no palco e também em sua primeira estréia no cinema. Era como se ele nunca tivesse ido para as trincheiras.
Talvez ele tenha conseguido esquecer a guerra, mas seus efeitos posteriores na Hungria estavam prestes a influenciá-lo para o resto de sua vida. Lugosi responde então ao chamado pela revolução dos trabalhadores.
A existência diária na Hungria foi um pesadelo que poucos puderam escapar. Lugosi há muito tempo protestou contra os baixos salários, as condições de trabalho exploradoras e o tratamento injusto de jovens atores. Ele logo reconheceu as contribuições que os artistas poderiam dar às lutas políticas.
1918–1944 — HUNGRIA: APOIADOR DA REVOLUÇÃO DE 1919
Lugosi apoiou o Partido Comunista Húngaro, fundado em dezembro de 1918, e sua líder, Bela Kun. Seguindo o exemplo da Rússia revolucionária, uma revolta em massa que derrubou o antigo regime em dívida com a classe dominante. A República Soviética da Hungria foi fundada em 21 de março de 1919.
Enquanto a bandeira vermelha da república incipiente ondulou sobre o edifício do parlamento por apenas 133 dias, o governo de Kun introduziu as primeiras proteções legais para minorias étnicas, a jornada de trabalho de 8 horas e salários nacionais mais altos.
Lugosi liderou uma demonstração de atores em março de 1919 e emergiu como um organizador de alto perfil. Ele foi fundamental na fundação da Organização Livre de Empregados Teatrais, que mais tarde se expandiu para o primeiro sindicato de atores cinematográficos do mundo, o Sindicato Nacional de Atores.
Don Rhodes escreveu em seu livro “Lugosi: Sua Vida em Filmes, no Palco e no Coração dos Amantes do Terror” (título com livre adaptação [Lugosi: His Life in Films, on Stage and in the Hearts of Horror Lovers, 1997]), que “Lugosi ajudou a combinar a Organização Gratuita de Empregados Teatrais e membros da indústria cinematográfica no Sindicato Nacional dos Atores, e atuou como seu secretário-geral” no primeiro congresso estatutário do NTUA, quando começou, em 17 de abril de 1919.
Trecho do discurso de Lugosi:‘Há menos da metade de um ano atrás, eu lancei a luta com a decisão de que deveria ser estabelecido o sindicato nacional dos atores socialistas’ (como conta Arthur Lenning, no livro ‘O Imortal Conde: Vida e filmes de Lugosi’ — tradução livre | “The Immortal Count: The Life and Films of Bela Lugosi”).
Entre os artigos de Lugosi publicados em “Szinészek Lapja” (“A página do ator da Hungria”) foi um dos que discutiram a exploração dos atores: “A antiga classe dominante manteve a comunidade de atores na ignorância por meio de várias mentiras, corrompeu-a moral e materialmente, e finalmente o desprezou pelo que resultou de seus próprios vícios.
Os atores, deslocados, com salários que mal matam a fome, e desmoralizados, eram muitas vezes levados, embora com relutância, a se colocarem à disposição da classe dominante. O martírio foi o preço do entusiasmo por agir”.
Os sonhos de uma nova nação foram de curta duração quando a República Soviética Húngara foi derrubada em 6 de agosto de 1919.
O historiador Eugen Weber, autor de “Variedades do Fascismo: Doutrinas da Revolução no Século XX”, (Varieties of Fascism: Doctrines of Revolution in the Twentieth Century, 1982), descreveu o sucessivo governo como o “Governo altamente conservador dos gabinetes aristocráticos liderados principalmente por grandes magnatas da terra.”
Como uma brutal reação de terror branco varreu o país, Lugosi fugiu para Viena e trabalhou na indústria cinematográfica alemã com um período em Berlim. Ele então emigrou para os Estados Unidos em dezembro de 1920.
Enquanto isso, na Hungria, milhares de comunistas e judeus foram presos, torturados e/ ou assassinados. Os comunistas levaram uma existência precária à clandestinidade e emergiram somente depois que o Exército Vermelho entrou na Hungria em 1944.
1927–1944 — EUA: ORGANIZADOR SINDICAL, UMA VOZ CONTRA O FASCISMO
Depois de atracar em Nova Orleans, Lugosi aprendeu inglês e foi para Nova Iorque, onde continuou atuando. Em 1927, ele originou o papel do Conde Drácula na versão teatral da Broadway do romance de Bram Stoker. Em 1931, ele reprisou o papel em uma adaptação cinematográfica, fazendo dele uma estrela internacional.
Durante a Grande Depressão, Lugosi desempenhou um papel ativo no Screen Actors Guild. Como membro fundador do SAG, ele atuou no conselho consultivo do sindicato. Lugosi organizou para a união no set de “The Raven”, que co-estrelou Boris Karloff, um membro do SAG que ficou famoso por retratar O monstro de Frankenstein, em 1935.
Na Segunda Guerra Mundial, o ditador húngaro Miklos Horthy aliou-se a Adolf Hitler e aos nazistas. Em oposição, Lugosi ajudou a formar o Conselho Húngaro-Americano para a Democracia, pedindo que “o nazismo fosse eliminado em todos os lugares”. Como membro da Relief, Húngaro-Americana, Lugosi foi um orador em uma manifestação em 28 de agosto de 1944, em Los Angeles.
Béla Lugosi exigiu que Washington resgatasse refugiados judeus húngaros, pressionasse o regime fantoche nazista de Horthy e facilitasse as restrições de imigração. O Dr. Rafael Medoff e J. David Spurlock escreveram: “Ele pode ter retratado vilões selvagens na tela prateada, mas na vida real Bela Lugosi levantou sua voz em protesto contra a selvagem perseguição dos judeus em sua terra-natal, a Hungria.” (Jewish Ledger, 3 de janeiro de 2011)
1944 — (+)1956 — VÍCIO, VELHICE, FALECIMENTO

Com a velhice chegando, a falta de renda combinada com um vício em morfina causado por doenças físicas, deixou Lugosi quase destituído, vindo a finalmente falecer em sua casa em Los Angeles, no dia 16 de agosto de 1956. E, como muitos sabem, fora enterrado vestindo uma de suas lendárias capas de Drácula.
Lugosi é mais lembrado por seu trabalho em liderar e representar papéis em mais de 100 filmes. Mas suas contribuições para a luta pelos direitos dos trabalhadores e pela causa do anti-fascismo e anti-nazismo devem ser lembradas como parte de seu duradouro e brilhante legado.

TEXTO-BASE: Workers.org | FONTES ADICIONAIS: Europe Between East and West (mais detalhado) | The Vintage News | Livro Stephen J. Lee, “Ditaduras européias 1918–1945”
Publicado originalmente em nosso blogue, em 19/11/2019.